Close
Skip to content

NEUROSCIÊNCIA e PSICODRAMA

Rosa-Cukier-Psicologa1-1024x148

NEUROSCIÊNCIA e PSICODRAMA

 

 Neurosciência e psicodrama é um artigo apresentado num Congresso em Buenos Aires aonde Rosa Cukier mostra como o Psicodrama , com seu acting -out terapêutico , pode ser benéfico para pacientes com sintomas do estresse pós-traumático. 

Uma colega do meu grupo de estudos de Moreno, o GEM, disse uma coisa muita engraçada outro dia , sobre mesas redondas em congressos. Ela disse que não importa qual seja o tema da mesa , os debatedores sempre  expõem o que bem entendem , ou seja, que aproveitam a oportunidade para passar ao público a mensagem que lhes interessa e, não necessariamente aquela proposta pelos organizadores.

Eu costumo fazer a lição direito, mas quando pensei no tema desta mesa, ” Fundamentos do Psicodrama” logo me ocorreram duas possibilidade de abordagem: na primeira eu entenderia a palavra Fundamento como alicerce, base sólida que legitima e autoriza a prática psicodramática; já na segunda eu buscaria o que me parece fundamental , essencial, indispensável ao Psicodrama.
Confesso que fiquei mais seduzida pela segunda possibilidade, até porque o Psicodrama para Moreno (1999:33) é apenas um dos métodos da sociatria, no tripé que compõe a socionomia: sociodinâmica, sociometria e sociatria.( ver fig. 1)

SOCIONOMIA

FIG. 1 SOCIONOMIA

 

Buscar os fundamentos do Psicodrama corresponderia a fundamentar toda a socionomia, ou seja descrever os fundamentos de toda a obra de Moreno. Eu teria que mencionar no mínimo: a visão moreniana de homem espontâneo, sua filosofia do momento, bem como a Teoria dos Papéis e a Teoria da Ação e, sinceramente não conseguiria fazer isto em 15 minutos.

Por isso optei pela segunda possibilidade ou seja interpretar a palavra fundamento como aquilo que considero o atributo básico, essencial e indispensável ao Psicodrama .

Moreno define o Psicodrama de muitas formas. Numa delas diz: é o tratamento do indivíduo ou do grupo através da ação dramática (1992:183).

Pessoalmente considero a ação dramática uma das características fundamentais do Psicodrama e, especialmente em relação ao enquadre bipessoal, acho preocupante sua ausência. Tenho ouvido muitos colegas, professores-supervisores , dizerem que não gostam e não dramatizam na ausência de um ego –auxiliar ou munidos de objetos e almofadas. Não estou, preciso salientar, duvidando da eficácia ou não de um psicodrama sem drama, pois sei que o sucesso de um tratamento reside numa série de fatores e não apenas em um.

O que me surpreende é perceber como alguns colegas descartam um instrumental técnico tão fantástico como a dramatização, cujo valor terapêutico está sendo cada vez mais comprovado experimentalmente. Quero, portanto comentar, nos próximos 15 minutos, três aspectos terapêuticos da ação dramática que me parecem fundamentais:

1- Favorece uma descarga energética muscular, necessária para pacientes traumatizados por abusos infantis variados ou com sequelas de traumas por acidentes (Desordens do Estresse Pós-traumático)

Os estudos sobre trauma e suas conseqüências duradouras na vida das pessoas tem provado cada vez mais, que Moreno (1959, p.239) tinha razão ao afirmar que “a fome de atos” é uma necessidade fisiológica do ser humano, tal qual, comer, beber, respirar. *

A resposta imediata a uma situação estressante ** dispara mecanismos de reação do sistema nervoso simpático, conhecida como “reação de alerta”. O organismo animal se prepara para lutar ou fugir, a respiração se torna mais profunda, o sangue é levado do estomago e dos intestinos para o coração , para os músculos, os processos em curso no canal alimentar cessam, o açúcar é liberado das reservas do fígado, o baço se contrai e descarrega seu conteúdo, a hipófise estimula as supra renais e o organismo é inundado por hormônios tais como a adrenalina. É uma preparação eficaz para a atividade e para o combate, como Walter Cannon já descrevia em 1939 e Paul MacLean reafirmou em 1952.

Estudos advindos do reino animal (Levine,1999) nos mostram que quando um animal é impedido de reagir , entram em funcionamento mecanismos arcaicos cerebrais, o cérebro reptiliano, provocando uma resposta de congelamento das funções vitais, simulando uma morte em vida. Este artifício permite que o animal fingindo-se de morto, consiga às vezes ser abandonado pelo predador, ou, no mínimo, um certo tempo, para bolar outra estratégia de fuga.

O mesmo ocorre, com algumas diferenças, no animal humano. O neurologista americano Paul MacLean descreveu em 1952 a natureza tripartida do cérebro humano,resultado de nossa evolução filogenética (ver fig. 2)

Paul Mac Lean

FIG.2 PAUL MACLEAN “O CÉREBRO VISCERAL” (1952}

 

A haste do cérebro é o cérebro primitivo, reptiliano. É um remanescente de nosso passado pré-histórico, útil para decisões rápidas, que não exigem pensamento. O cérebro reptiliano focaliza-se na sobrevivência e é orientado pelo medo, entrando em ação sempre que estamos em perigo e não temos tempo para pensar. Num mundo em que sobrevivem os mais capazes, o cérebro reptiliano preocupa-se com a obtenção do alimento e em não se tornar alimento.

A camada central do cérebro é a parte límbica ou cérebro mamífero, raiz das emoções, do humor e sentimentos. Já o neo-cortex é a parte do cérebro mais evoluída e adiantada. Ela governa nossa habilidade de falar, pensar, e resolver problemas. O neocortex afeta a criatividade e a capacidade de aprender e abrange aproximadamente 80 por cento do cérebro.

Como podemos ver, o cérebro humano é mais especializado, entretanto, como Le Doux e Van Der Kolk (1996) demonstraram, em situações traumáticas ele funciona de forma incompleta, pois o . o néo-cortex sofre alterações funcionais liberando hormônios que o tornam entorpecido. ( ver fig. 3).
As memórias que são arquivadas neste momento carecem de verbalização, são formadas por sensações, imagens visuais e padrões motores, pois a linguagem é função neo cortical.

CEREBRO DURANTE ESTRESSE

FIG 3- FUNCIONAMENTO CEREBRAL E MEMÓRIA NO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

 

Igualmente ao animal, o homem funciona com o cérebro reptiliano quando é impedido de reagir. O congelamento de funções vitais se manifesta através de uma respiração superficial e músculos endurecidos, simulando o “rigor mortis”, e uma mente anestesiada, como se a pessoa fosse um zumbi. Só que , ao contrário do animal que passado o perigo descongela através de um tremor corporal observável, o ser humano intermedeia estas funções físicas, com pensamentos, sentimentos, emoções, lealdades invisíveis, etc. -produtos das duas outras camadas cerebrais que possui.

Muitas vezes uma pessoa que foi estuprada, por exemplo, tem que disfarçar seu horror, conter seu choro, seu tremor, sua vergonha, mostrar para o mundo que nada aconteceu. Como resultado desta não-ação, seu corpo não se recupera do trauma e da impotência sentidos na hora do ataque.
Fica faltando uma ação de combate, de retomada do controle, que muitas vezes só é conseguida muitos anos depois, através da repetição ativa da violência ou abuso, desta feita no papel de abusador, ou daquele que tem o controle. (muitas adições são tentativas desastradas de simular controle).

A dramatização fornece a oportunidade desta ação faltante, permitindo aos músculos uma descarga segura desta necessidade corporal de retomada de controle. Lembro vocês que o psicodrama foi uma das primeiras terapias corporais e Morenos já dizia que o corpo se lembra daquilo que a mente esquece, sobretudo fatos que se passam nos primórdios da vida infantil, antes até do surgimento da linguagem. A melhor forma de recapturar memória de ações é através de métodos expressivos, que usam a pessoa inteira (corpo e mente) na ação.

2- Favorecer a pesquisa ativa e responsável do paciente em relação à sua problemática

Como eu expliquei acima, o impedimento de uma reação de combate gera uma postura letárgica e impotente diante da realidade. Desnecessário eu lhes dizer que a maior parte dos nossos pacientes se sente assim em relação à própria vida. Parece que algo deve mudar mas eles não se sentem capazes de empreender esta mudança.

Em muitas terapias verbais, quando, sobretudo a interpretação é utilizada, a chave do quebra cabeça simbólico, do que significam aqueles sentimentos pensamentos, de como eles se relacionam com o passado, presente, futuro, parece estar nas mãos do terapeuta. O paciente é paciente – espera que o terapeuta faça o seu trabalho. Isto apenas reforça sua já aprendida fragilidade e impotência.

Bustos têm um quadrinho no seu consultório, com a seguinte frase: ” o que foi dito de mim que não fui eu que descobri não me serve” ; Milton Erickson (1983, pp. 45), grande psicoterapeuta americano, criador da hipnoterapia moderna e inspirador das terapias sistêmica, estratégica, familiar, etc. – também achava que a interpretação direta do terapeuta representa um estupro para o inconsciente do paciente, que manda um batalhão de defesas para dissociar, negar,ou seja, se defender do jeito que puder. No inconsciente do paciente penetramos indiretamente, pela porta de trás, com muito aquecimento, e nunca antes dele mesmo.

Além disso, todos os pacientes têm uma parte saudável e combativa e eu, particularmente, faço meus pacientes saberem disto desde o início de nossos encontros. Sempre lhes pergunto o que querem trabalhar naquela sessão específica e os coloco para atuar as situações que escolhem trabalhar. Eles são pesquisadores ativos, como eu. Decifrar seu material, suas emoções, decisões, etc. é nossa tarefa conjunta e freqüentemente mais tarefa deles do que minha.

3- Oferece o elemento surpresa para um paciente acostumado a funcionar apenas com conservas defensivas.

A dramatização não tem script pré-determinado. Eu nunca sei o que vai aparecer , muito menos o meu cliente. Freqüentemente fico surpresa com o que surge e adoro ver a cara de surpresa nos meus pacientes. Eu também os surpreendo jogando papéis e contra-papéis de forma inesperada, buscando uma interpolação de resistências muito útil para estimular respostas espontâneo-criativas, ou seja, novas respostas a velhas situações.

Moreno (1923, p. 54) já nos falava sobre o papel representado pela surpresa na ativação dos processos espontâneo-criativos. Já Milton Erickson (1983, p. 50) utilizava a confusão como uma técnica de indução para hipnose . Ele pedia, por exemplo, que uma pessoa se visualizasse subindo num avião para os EUA e, no final da viagem, após várias consignas pedia para a pessoa se ver descendo na Índia. Ele sabia que o fator surpresa desestabiliza as defesas intrapsíquicas, obrigando a mente a produzir uma energia responsiva diferente.

Nas situações traumáticas infantis ou mesmo nos situações traumáticas acidentais, o elemento surpresa também está presente, forçando o paciente a erigir uma defesa que lhe restaure alguma sensação de controle. A cura favorecida pela dramatização de alguma forma se conduz pelo princípio homeopático de prescrever o mesmo fator responsável pela doença, desta feita com o objetivo de saná-la.

Não posso imaginar nada mais anti-moreniano, do que um terapeuta que ouça e interprete verbalmente seu paciente. No mínimo, seria preciso provocar uma ação interna , dentro do paciente, nos moldes de um psicodrama interno ou da terapia da relação do Fonseca, fazendo trocas de papéis sentados ou simbolicamente, favorecendo seu espanto e a surpresa, ainda que sem o benefício das associações musculares que a movimentação corporal fornece.

Para finalizar, quero lhes dizer que acredito que a ausência da dramatização em muitos psicodramas se deva mais ao desconhecimento de como e para quê se dramatiza, do que da dificuldade de fazê-lo sem egos auxiliares, ou sem grupo.Supervisionando meus alunos cheguei à seguinte lista das dúvidas mais freqüentes em relação à dramatização:

1- Como trabalhar questões pertinentes à relação terapêutica: contrato (hora, local preço, reposições); pacientes que não querem dramatizar etc.

2- Qual o objetivo da dramatização? O objetivo é exploratório (tipo um átomo social) , é experimental (treino de papéis), ou visa reparar danos narcísicos ? (dramatização de cenas infantis)

3- Como escolher uma cena para dramatizar? Quando o paciente fala muito, como se escolhe uma cena? É o terapeuta ou o paciente que escolhe a cena?

4- Como articular o tempo na dramatização, ou seja, presente, passado e futuro? Como ir da queixa atual do paciente para o passado ( cena regressiva), ou para o futuro ( cenas temidas,

desejadas) e depois voltar para o aqui e agora da relação com o terapeuta?

5- Como aquecer o paciente e manter este aquecimento durante toda a dramatização?

6- Como decidir qual técnica, dentre as técnicas clássicas, utilizar?

7- É melhor um psicodrama com cena aberta ou um psicodrama interno?

8- Como não se perder no meio da dramatização?

9- Como fazer quando o tempo da sessão termina no meio de uma dramatização?

10- Como finalizar uma dramatização?

Como vocês podem concluir, a minha colega, aquela que disse que não importa qual seja o tema da mesa, o debatedor sempre fala aquilo que lhe interessa, tinha razão.
Eu realmente acredito que a dramatização é uma das ferramentas mais importantes do psicodrama e acho que alunos melhor preparados em relação a estes tópicos, tenham menos medo de dramatizar e possam perceber as vantagens da utilização de técnicas de ação para ajudar seus pacientes.

Muito obrigada

Rosa Cukier

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

• Cukier, Rosa (1992) – Psicodrama Bipessoal, sua técnica, seu paciente e seu terapeuta, Editora Àgora, S.Paulo.

• Cannon Walter (1939) – The Wisdom of the Body, Nova York, Norton, Citado por Anne Ancelin Schutzenberger – ” Querer Sarar”, Editora Vozes, Rio de Janeiro, 1995.

• Lê Doux, Joseph.(1996) -O Cérebro Emocional, Editora Objetiva, Rio de Janeiro

• Levine P. A. (1999) – O Despertar do Tigre, Curando o Trauma – Editora Summus, S.Paulo.

• Moreno, J. L (1923). – O Teatro da Espontaneidade. São Paulo:Summus Editorial, Ltda, 1973

• Moreno, J. L. (1959) – Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, Editora- Livro Pleno Ltda. , Campinas,1999.

• Van der Kolk, B. Mc. Farlane A. Weisaeth L. (eds.) ). Traumatic Stress: the effects of overwhelming experience on mind body and society. New York, Guilford Press. 1996.

• Zeig, K. J. ( 1983)- Os seminários Didáticos de Psicanálise de Milton H. Erickson, Editora Imago, Rio de janeiro.

¹ Trabalho apresentado no IV Congreso Iberoamericano De Psicodrama-2003.

* Moreno afirmava : Fome de expressão é, primeiro, fome de atos, muito tempo antes de se transformar em fome de palavras.

** Situação estressante significa qualquer situação que leva o indivíduo a um estado de desespero, seja por estar lutando para preservar sua vida ou a vida de outrem significativo.

Deixe um comentário